quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Despedida

15 de Novembro de 2012 / 16 de Novembro de 2012

Um telefonema que alterou tudo. Por norma desligo sempre o telemóvel quando vou dormir, mas neste dia... foi como se já estivesse à espera.
A noite tinha tanto de silenciosa como de trágica. As lágrimas turvam cada vez mais a minha visão. A saudade e a dor mantêm o meu cérebro desperto. Desejava que não o fizessem...
Passo a noite em claro. Por mais que tente, não consigo evitar e rebobino. Como se estivesse novamente a receber a notícia. Começo a perder a percepção das palavras mal a recebo. As palavras ouvidas começam por se transformar em imagens. Imagino como tudo se teria desenrolado.
Arrasto o meu corpo fraco em direcção à varanda e sento-me, deixando o frio envolver cada porção de tecido. Permaneço num pequeno canto e deixo-me lá ficar. Esperando pela chegada do novo dia.
O frio apesar de extremo, é reconfortante, pois impede-me de pensar. Para além disso, sinto que, neste momento, a única coisa com que consigo lidar é a hipotermia.


16 de Novembro de 2012

Abro o pequeno baú metálico e sacudo o pó assente no fato negro. Apenas o vesti duas vezes, mas traz consigo, uma quantidade ilimitada de más memórias. Hoje será a terceira.
Lavo a cara, na tentativa de atenuar as marcas avermelhadas ao redor dos olhos. No entanto, é escusado.
Enquanto me visto, forço-me a conter as lágrimas. Apesar da dificuldade, acabo por conseguir.

...

Durante a viagem, finjo estar a dormir. Não quero ter de lidar com os restantes.
Relembro, em silêncio, a sua vontade. E por mais difícil que isso seja, pretendo que seja cumprida.
Poucas foram as conversas que tivemos sobre a morte. Lidávamos, a maioria das vezes, o assunto com um tom de brincadeira na voz, pois julgávamos ser jovens demais. Mas a morte é como o dinheiro. Não importa como se o ganha, mas toda a gente o tem.
Não tinha a percepção do quão doente ele estava. Ele, no entanto, sabia, mas não o deixou transparecer...

...

Fico, em pé, à entrada da capela. A minha atenção é captada pelo enorme caixão aberto centralizado na sala. Apesar das pequenas dimensões, é o suficiente para a meia dúzia de pessoas que estão presentes.
Permaneço imóvel e calado, eliminando qualquer tentativa de conversação.
Caminho na sua direcção. Aqueles que já o viram, alertam-me para não o fazer. Decido vê-lo mesmo assim. Como poderia não o fazer?
O sorriso e a boa disposição de outrora tinham desaparecido tal como a vida no seu corpo. Era difícil de o reconhecer naquele estado. Vê-lo naquele "estado de inconsciência permanente", tornou tudo, ainda mais real.
Os detalhes e o foco vão-se perdendo à medida que as lágrimas traçam, novamente, trilhos na minha cara.

17 de Novembro de 2012

Dizem que com o tempo tudo se resolve. Não podia discordar mais. Independentemente, do tempo que passe, aqueles que perdi, nunca mais voltarão. A angústia, a frustração e a saudade irão conservar-se, subcutâneamente, à flor da pele, durante algum tempo, até serem enterrados. Bem no fundo do meu inconsciente. 
Algumas horas antes do anoitecer resolvo ir ao cemitério. Sinto-me egoísta e desiludido comigo mesmo por não ter ido ao funeral esta manhã. De certa forma, pretendo adiar a despedida. E então ocorro-me. Não há últimas palavras a serem ditas. Não há qualquer despedida a ser feita. Ele já partiu. 
As palavras falham e, por isso, deixo dominar o silêncio. Deixo que o assobiar do vento e ritmo do som da chuva a cair no guarda-chuva ser a banda sonora daquele momento.
Obrigado pelos anos de companheirismo, pelas noites de farra, pelas palavras de incentivo, pelo apoio e pela força dada, pela simples presença nos momentos menos bons, quando muitos viraram costas, pelas cantorias, pelas conversas. Independentemente, de ser bom ou mau, obrigado por tudo.
É o fim para aqueles que morrem... Mas e para aqueles que ficam?
Não se trata de um adeus, mas de um "Até já Camarada".

" You smile like you know the new world has been found" - Assim o espero